Se percorreremos as livrarias, encontramos muitos livros de auto-ajuda.
Se pesquisarmos na internet, o Google tem ideias para tudo.
Se falarmos com um amigo, ele dará o seu melhor conselho.
Se nos confessarmos a um padre, a fé orientará o caminho.
Se… se… se…
A dor de perder alguém é uma dor tão única quanto universal: encontramos a nossa humanidade comum no sofrimento, mas isso não significa que tenhamos receitas para o gerir.
São muitas as respostas de ajuda que nos podem inundar, sendo difícil perceber a qualidade de cada uma, ainda mais em momentos de grande fragilidade – linhas de apoio, grupos de ajuda, espaços de aconselhamento, instituições de apoio. Importa perceber que a cultura anglo-saxónica (em Inglaterra, por exemplo) favorece a perspectiva do aconselhamento (couselling) mas essa não é uma ajuda terapêutica.
A psicoterapia exige um psicólogo ou psiquiatra, com formação em psicoterapia e com especialidade no trabalho do luto chegando assim às necessidades da pessoa, de forma mais séria. Não é só porque alguém vive um luto que fica habilitado a ajudar o outro. Tal como não é um diabético que vai estabilizar, sozinho, outro diabético. Claro que um bom terapeuta vai consigo, no seu ritmo, na sua dor, respeitando-o, mas sabe (porque estudou!) onde o quer levar.
Num espaço terapêutico não interessam os conselhos, as receitas dos outros, as ideias dos livros. Importa, sim, a verdade de cada um: se for a de que Deus não existe então é isso que tem valor, se for a ideia de céu então será, se for a vontade de ser forte ou de não chorar ou de pedir ajuda então será. Importa o que cada um faz com a sua dor: dentro de si (no que pensa, sente, nos sinais do corpo), na relação com os outros que o rodeiam (tem mais conflitos? Tem mais dificuldades desde que perdeu alguém? Tem dificuldade em trabalhar? Está mais afastado da família?) e na relação com a pessoa que perdeu (como é que se reinventa esta relação sem o mundo físico?)!
Por isso, a psicoterapia especializada no processo de luto abre espaço ao que cada um precisa: à sua forma de funcionar, às suas necessidades, à sua história de vida, aos custos das suas estratégias (todos temos as nossas estratégias para gerir o sofrimento mas algumas trazem custos muito pesados e não conseguimos mudar sozinhos). Nesse espaço sabe-se escutar o que a dor diz: o que fica depois de perder esta pessoa? O que me traz este pensamento? Esta saudade? Para que preciso de continuar a ir ao cemitério? O que posso fazer para a lembrar? Porque preciso tanto de não lembrar? E tantas outras perguntas e dimensões.
Cada dor da perda é como um puzzle, tem muitas peças. Saberia dizer quantas peças tem a sua dor?
Existimos nós e a nossa história e, por vezes, a nossa história ganha tanto espaço e poder que nos condiciona e controla. No acompanhamento clínico especializado estará a encontrar uma rede de suporte para existir com toda a sua história, sem que se perca a pessoa que quer ser. O objectivo terapêutico nunca é esquecer essa relação especial, diminuir a importância dessa pessoa, obrigá-lo a funcionar nem mesmo forçá-lo a recordar o que ainda é difícil. Quando se pensa na importância do acompanhamento terapêutico pensa-se nas inúmeras tarefas terapêuticas que ficam por cumprir num processo de luto, tais como: resolver assuntos pendentes, sanar feridas emocionais, dizer adeus ou pedir desculpa, resolver aspectos traumáticos, descodificar e reprogramar os sinais do nosso corpo cada vez que chegamos aquele sítio ou falam daquela pessoa, reduzir os sintomas físicos do esforço em manter a vida a funcionar (cansaço, dores). De forma global o acompanhamento visa a melhor gestão e equilíbrio entre manter a sua vida a funcionar (com tudo o que isso implica: trabalho, relações novas, família, amigos, saúde) e ficar em contacto com as suas emoções e pensamentos sem que isso o assuste.
Não é suposto dizermos que a vida continua e que há que olhar para a frente, se não olharmos para dentro. É uma viagem ao seu interior, mas é você que tem o comando dessa viagem.
Começamos?
Autora: Ana Santos
Psicóloga Clínica/ Psicoterapeuta
Formadora
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