“Lembro-me do telefone a tocar às tantas da noite, daquela voz do outro lado da linha. Já lá vão 17 anos e consigo ouvi-la como se fosse ontem: Tem de vir para cá, porque o X morreu. (...) Senti que morri nesse dia.”
(Testemunho real de uma mulher de 62 anos, in Sebastião, 2015)1
Este testemunho representa a necessidade relacional de provocar impacto naquele que o ouve. Trata-se de uma necessidade que evoca a seriedade do ouvinte e a empatia necessária para validar a necessidade de expressão da dor através da experiência traumática de se receber uma notícia da morte de um ente querido.
A comunicação da notícia da morte, mesmo quando é esperada, pode acarretar custos na trajetória de um luto normal. Neste testemunho, conseguimos perceber o peso que a recordação associada à notícia da morte tem numa pessoa em luto. A forma como a notícia é dada pode provocar trauma e deixar sensações difíceis de gerir, que provocam emoções como a zanga, a raiva, a impotência ou o medo.
Como afirma Twycross (2003)2, dar uma má notícia é, acima de tudo, transformar para sempre o futuro de quem a irá ouvir. É associar uma lembrança que pode ser negativa e assustadora, quer para quem recebe como para quem dá. É necessário criar espaço e segurança necessários para estabelecer confiança na relação, em que a informação acutilante terá de ser gerida por parte do emissor, considerando a integração da mesma por parte do recetor de forma controlada, respeitando o seu ritmo e tempo necessários para a percecionar.
Claro está que o profissional que comunica a notícia estará influenciado por variados fatores que poderão contribuir positiva ou negativamente para a forma como comunica a notícia da morte de um ente querido a alguém:
1. Relação com a pessoa falecida;
2. Relação com a pessoa que irá comunicar a notícia da morte;
3. Variáveis de personalidade e atitudes pessoais ou crenças sobre a vida e a morte (da pessoa que comunica e da pessoa a que recebe a notícia da morte);
4. Causa de morte;
5. Idade da pessoa falecida e daquela que recebe a notícia;
6. Grau de parentesco entre a pessoa que recebe a notícia e quem morreu;
7. Experiência / formação na temática da comunicação da notícia da morte por parte de quem comunica.
Das primeiras decisões que se deve tomar relativamente à comunicação da notícia da morte é o canal que devemos utilizar: presencial ou telefone. Da mesma forma, outra decisão inicial é saber qual a hora a que devemos fazê-lo.
Ao longo de 5 anos, a contactar com profissionais que lidam com a notícia da morte, tem-me sido relatado que a preferência é fazê-lo presencialmente. Estar cara-a-cara tem benefícios, do ponto de vista da relação de ajuda, que podem não ser sentidos quando comunicamos utilizando o telefone, nomeadamente:
1. Estar numa sala com a pessoa a quem vamos comunicar (só os dois);
2. Poder tocar, se necessário, na pessoa a quem vamos comunicar;
3. Poder observar as dinâmicas não-verbais da pessoa a quem vamos comunicar e podermos adequar a informação que vamos dando de acordo com esses sinais;
4. Poder oferecer espaço à pessoa a quem vamos comunicar sem correr o risco de não termos feedback como no caso do telefone (a pessoa está sempre ao nosso alcance).
A hora a que comunicamos a notícia depende da forma como funcionam os serviços onde se encontrava a pessoa falecida. Muitos comunicam após a certificação do óbito, mesmo que isso implique ligar de madrugada. Em bom rigor, não podemos esquecer que ligar só pela manhã, quando o óbito ocorreu de madrugada, pode levantar questões à família sobre o fato de se ter prestado apoio, se a pessoa falecida estava sozinha, e porque demoraram tanto tempo a ligar para a família... Sabemos que as instituições que decidem ligar só de manhã (quando o óbito ocorre de madrugada) o fazem porque:
1. A pessoa que comunica não está na instituição (nomeadamente, o responsável técnico, o médico...);
2. A regra institucional (norma) é de nunca se ligar de madrugada para os familiares;
3. A regra pessoal (não normativa) é: “Não queremos assustar ou incomodar” ou “Decidimos ligar só de manhã, pois não valia a pena estar a incomodar a família e esta não podia fazer nada a essa hora.”
Sabemos que a regra de ouro é, acima de tudo, não mentir quando temos de comunicar a notícia da morte de um ente querido a alguém. Da mesma forma, torna-se imperativo respeitar a iniciativa daquele que recebe a notícia (ou as informações tendentes a essa notícia) e responder sempre às solicitações.
Quando a primeira abordagem é ao telefone, não podemos esquecer que a hora a que ligamos e o lugar donde ligamos são fatores que imediatamente poderão fazer surgir a pergunta: “Aconteceu alguma coisa?”. Iremos debruçar-nos, nos próximos textos deste blogue, sobre alguns protocolos que facilitam a comunicação da má notícia, apresentando casos práticos do dia-a-dia que poderão ajudar esta difícil tarefa.
Victor Sebastião
1 Sebastião, V. (2015). Guia prático de apoio ao luto. Ajudar a enfrentar a morte de um ente querido. Buraca: Servilusa.
2 Twycross, R. (2003). Cuidados Paliativos. Lisboa: Climepsi.
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