Quarta, 15 Novembro, 2017
Para onde vamos, quando morremos?
O que acontece ao corpo?
Se tu morreres, quem é que vai tomar conta de mim?
Quando morremos, somos uma estrelinha?
O que é um cemitério?
O que é um caixão?
As pessoas que morrem podem voltar?
Estas poderão ser algumas perguntas típicas feitas pelas crianças diante do dilema da morte de um ente querido.
Não podemos proteger as crianças da morte, muito menos do processo de luto, que é necessário e exigido aquando de uma perda com significado para a criança. Por vezes, o nosso instinto de proteção é afastar o tema da morte e do morrer da vida das crianças. Mas torna-se difícil fazê-lo, quando morre alguém (pessoa ou animal) na família. Todo o sistema familiar fica afetado de forma diferenciada e as crianças estão recetivas e interpretam o comportamento não-verbal dos adultos bem como a alteração de rotinas a que estavam habituadas. Por mais que evitemos falar sobre o assunto, as crianças percebem que algo se passa e podem fantasiar como desejarem, o que, por vezes, as pode afastar da realidade, tornando o processo de luto mais penoso e fazendo-as sentir-se abandonadas e pouco apoiadas.
O tema da morte e do morrer tem vindo a ser divulgado com muita frequência nos meios de comunicação social. Durante um jantar de família, é perfeitamente natural que, ao ver televisão (o telejornal), a criança seja exposta a imagens e narrativas que evoquem o assunto. Torna-se, pois, fundamental ter em atenção o comportamento e as perguntas que a criança pode fazer sobre o que vê na televisão, por forma a integrar o tema sem medo, ansiedade ou trauma.
Os videojogos, a internet e os filmes (mesmo os de animação) também representam a morte e o morrer. Por vezes, de forma mais simbólica, outras, nem por isso. Lembremo-nos dos videojogos em que a criança tem o poder de manobrar, através de um comando, uma personagem e lida com os aspetos de sobrevivência ou de morte (quando “perde vidas”), porque não consegue ultrapassar um determinado obstáculo.
A morte (e o morrer) é, assim, um tema tabu na nossa sociedade e ainda mais quando envolve a explicação dos temas a uma criança, sobretudo se esta for de tenra idade. Mas parece ser impossível fazê-lo, pois lidar com a vida é lidar com as perdas e a criança necessita de entender o que significam as perdas para que saiba onde pode encontrar ou desenvolver recursos (internos ou relacionais) para lidar com as essas perdas e desenvolver-se em pleno como pessoa.
Existem, contudo, alguns fatores que poderão dificultar a tarefa de explicar a uma criança a morte de um ente querido (ou animal):
• Grau de maturidade cognitivo e emocional da criança;
• Disponibilidade de um adulto (de confiança para a criança) para explicar o assunto e promover o apoio necessário;
• Normas familiares mais rígidas assentes no evitamento do contexto onde a morte ocorre (afastar a criança do ambiente familiar após uma perda por morte);
• Grau de parentesco que a criança perdeu (pais, irmãos, ou até um animal de estimação);
• Estilo de vinculação da criança.
Existem, ainda, alguns critérios importantes para quem deseja falar com a criança sobre a morte e o morrer:
1. Universalidade da morte – todos os seres vivos morrem (pessoas, animais e plantas);
2. Causalidade da morte – a morte acontece devido a uma causa (natural – doença – ou não natural – acidente);
3. Irreversibilidade – a morte é um fenómeno natural e irreversível: quando morremos, não podemos voltar a viver, nunca mais.
No que concerne às explicações que incidem sobre os aspetos simbólicos da morte e do morrer, há que respeitar a iniciativa da criança de poder perguntar e apresentar os seus argumentos sobre o que escuta. Podemos utilizar a simbologia da “estrelinha” como forma de ajudar a criança a recordar e aceder à manutenção da relação através do procurar a estrelinha no céu e falar com ela, como se da pessoa falecida se tratasse. Mas não devemos descurar de explicar que o corpo já não existe porque morreu e, se necessário, explicar para onde vai o corpo. O mesmo se aplica a certos critérios religiosos que assentam na divisão entre o etéreo e o espiritual: assim, o corpo desaparece, mas o espírito perdura no céu, por toda a eternidade. Se a família tiver algum credo religioso, pode ser facilitador do tema da morte e do morrer como forma de explicar a uma criança o que aconteceu ao falecido.
Em suma, não devemos evitar falar sobre a morte e o morrer a uma criança. Devemos, ainda, permitir que a criança participe no velório, que possa oferecer e procurar apoio junto dos seus familiares, que ajude na tomada de algumas decisões e que lhe seja permitido recordar o falecido como desejar.
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