Reflexões sobre o luto

Falar sobre a morte com crianças

        O último texto que puderem ler no blog deixava-nos a olhar de frente para a criança que pensa a morte e o luto. O que é morrer? E será igual para todas as crianças, de todas as idades? Como é que cada “idade pensa a morte”? A criança de 3 anos, a de 5, a de 10 e o jovem de 15 não pensam a morte da mesma forma: porque o seu desenvolvimento cognitivo é diferente, porque o desenvolvimento sócio-emocional é diferente. Porque as suas características pessoais, e as dos adultos que com elas convivem, são diferentes. Isso não significa que a criança, de 3 ou de 5 ou de 10, não pense e não sinta algo sobre a morte e sobre a experiencia de perder quem ama. Muito são os mitos em torno das crianças e do luto: “Não fiques triste” - porque é que é aceitável e importante sentirmo-nos bem em momentos gratificantes e não podemos sentir dor e tristeza nos momentos de perda?; “vamos já comprar outro gatinho, ainda mais bonito!” - tantas vezes acontece com perdas que menos valorizamos como a do animal de estimação “não fiques triste, vamos buscar outro gatinho” e assim se tenta repor o lugar da dor. Além de desvalorizar o que a criança nos comunica e sente, estamos também a ensinar que se subsituem lugares, vínculos, pessoas…; “tens de ser forte, a mãe não ia gostar de te ver assim” - que peso imenso o de não poder sentir de forma livre, sem medo nem crítica; a verdadeira “força” está na demonstração das emoções de forma natural e fazer e comunicar o que é emocionalmente adequado. É a expressão dos sentimentos actuais que permite a expressão dos que virão!; “o tempo vai ajudar, vais ver” – e se a criança crescer e crescer e crescer e perceber que sente o mesmo, mas disfarça melhor, cala mais vezes, incomoda menos com as perguntas e tenta só não pensar? E se o tempo passar e a criança não se sentir diferente, sentir-se-á culpada e envergonhada por isso, porque era suposto estar diferente? É importante ouvirmos atentamente as suas perguntas e inquietações abrimos espaço a mais segurança, conforto, valorização do que são/sentem e precisam e respondemos às suas necessidades. A autora Linda Goldman escreve num dos seus livros que “as perguntas das crianças são uma janela aberta para a sua alma e um espelho para os seus sentimentos e pensamentos mais profundos”. Quando os adultos respondem com informação mais complexa do que eles perguntam, as crianças podem ficar confusas. Quando os adultos se recusam a responder ou ignoram e desviam o assunto, as crianças aprendem que a morte é um assunto proibido e que só falar disso é algo perigoso. Então, o que fazer? Não existem receitas perfeitas, nem adaptáveis de forma igual a todas as famílias, crianças, jovens, grupos.

        Apesar disso há um caminho possível e ficam aqui algumas sugestões para que se possa sentir mais confiante neste momento. o Quando precisar de comunicar a morte/ acidente( uma doença prepare-se emocionalmente para isso - imagine-se a falar com a criança ou adolescente, escolha um momento que não seja demasiado doloroso e exigente para si; o Escolha um local privado, sossegado e que evite mais estímulos (por exemplo pode escolher falar com uma ou duas crianças de cada vez e não em grupo); o Procure, primeiro, perceber a linguagem e o conhecimento de quem está consigo – “se calhar já foste percebendo que estamos mais nervosos hoje, aconteceu uma coisa muito difícil de explicar. Tens alguma ideia sobre isto?” o É importante ir explicando, pouco a pouco, de forma simples e concreta os acontecimentos e o que aconteceu à pessoa (que morreu, que foi para o hospital…).

        A morte pode ser explicada às crianças de forma simples: “o nosso corpo deixa de trabalhar, já não sentimos dor, nem frio, nem calor, nem fome. Isso aconteceu porque estava muito muito muito doente e não foi possível ajudar o corpo a funcionar melhor. Quando explicamos, é importante deixar de lado as metáforas que, apesar de parecerem explicações mais doces (estrelinha, viagem ao céu…) são difíceis de entender para as crianças que precisam de ideias concrectas! o Dê espaço para as dúvidas: “há mais alguma coisa que precises saber?”, “percebeste o que te expliquei?”, preparando-se assim para acompanhar a exigência do outro que poderá começar a colocar questões filosóficas e existenciais. Responder “não sei ainda responder-te a isso, mas digo-te quando conseguir. Pode ser? Dás-me algum tempo?”. o E quando pedem para ir ao hospital? Poderemos assumir que é importante irem quando o pedem (principalmente adolescentes) e que estarão acompanhadas e poderão falar sobre isso ou “os médicos e os enfermeiros estão a tratar bem do pai, ele está diferente do que estavas habituada a ver porque está muito doente, tem de ter alguns tubos para estar bem, sem dores, para saberem ajudá-lo. Eu prefiro que não vás agora, mas posso levar um desenho ou um recado, queres?”. As decisões não são das crianças, mas é importante terem informação e irem acompanhando o que vai acontecendo. o Nos funerais e rituais associados devemos dar segurança e ajudar a perceber o que vai acontecer a seguir também tranquiliza e organiza: “agora vamos estar mais tempo na Igreja e depois há um funeral. Sabes o que é?”. Nesse momento não podemos fugir à conversa sobre o que são os rituais fúnebres e a importância dos mesmos. Pode ainda perguntar-se à criança se há algo que ela queira que seja enterrado com a pessoa, como desenhos, histórias, algum objecto especial. O importante é: dar a verdade, com segurança, sintonia com as suas emoções e necessidades e não a deixar sozinha a pensar e sentir o que está a acontecer. Quando se imagina nesta conversa, acredite, é sempre mais assustador ao adulto do que à criança!

Autora: Ana Santos

Fevereiro 2018

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