Reflexões sobre o luto

As manifestações do luto

O luto é um processo que envolve uma perda com significado para a vivência afetiva do ser humano. Naturalmente, o sofrimento e a dor como resposta a essa perda podem verificar-se ao nível de cinco dimensões: cognitiva (pensar sobre), afetiva (emoções), comportamental (ações), somática (sensações no corpo) e histórico fatual (narrativa da história de vida e recordações tidas com a pessoa falecida).

Em cada uma destas dimensões, observam-se manifestações que necessitam de ser expressadas e integradas no processo de luto. Ao ouvirmos a história de vida referente a uma perda, conseguimos verificar em que dimensão o sofrimento está presente e as manifestações que o acompanham. Por exemplo, pensar sobre a notícia da morte pode evocar palpitações (dimensão somática), que desencadeia o medo de não conseguir suportar a notícia (dimensão emocional) e a necessidade de ter uma atividade física (dimensão comportamental) como recurso para não entrar em contacto com o pensamento inicial da notícia da morte. Podemos, ainda, perceber que o recurso a esta atividade física (por exemplo, manter-se ocupado com uma determinada atividade laboral) pode ter benefícios (evitar o contato com a memória que provoca medo) mas, também, custos (dificuldades na integração do luto, as palpitações provocam o medo), tendo em consideração a tolerância que a pessoa em luto manifesta relativamente à dor e ao sofrimento. Assim, torna-se natural que cada pessoa manifeste de forma individual e única o sofrimento, de acordo com os mediadores que influenciam a trajetória desse luto. A notícia da morte, por exemplo, é um mediador que poderá ser útil na previsão de um luto normal ou complicado, consoante a forma como a notícia é transmitida e, igualmente, recebida.

Em baixo, enunciam-se as principais manifestações durante o processo do luto (Barbosa, 2016, pp. 28):

(1) Manifestações afetivas:
- Dor emocional
- Choro, disforia (mudança repentina e transitória do estado de humor), oscilação de humor
- Tristeza, desgosto, desânimo
- Anedonia (perda da capacidade de sentir prazer), desamparo, abandono
- Medo, ansiedade, insegurança
- Incerteza, inquietação, angústia
- Tensão, agitação
- Vazio, intensa solidão, perda de alegria
- Anseio, saudade, nostalgia
- Culpa, remorso, arrependimento
- Irritabilidade, protesto, ressentimento, cólera, zanga (dirigida contra o falecido, família, amigos, prestadores de cuidados e até contra si próprio)
- Sentimentos de frustração, injustiça, revolta, amargura, desejo de vingança

(2) Manifestações cognitivas
- Preocupações e recordações recorrentes, ruminação, obsessões (se... / porquê?)
- Medo de enlouquecer, de não se adaptar, de entrar em colapso
- Dificuldade de concentração, bloqueio mental
- Dificuldade de tomar decisões
- Défice cognitivo e de memória a curto prazo
-  Dificuldade de evocação de palavras
- Negação da realidade
- Negação do impacto emocional: fantasia, intelectualização
- Confusão, desorientação, desrealização (perder a noção da realidade)
- Desorganização do pensamento, pensamentos invasivos, hipersensibilidade ao ruído
- Fantasia, desejo, sensação de presença
- Conexões visuais/auditivas, alucinações
- Diálogo com o falecido
- Racionalização, deslocamento da atenção

(3) Manifestações existenciais
- Desespero
- Perda de interesse, finalidade, propósito, vontade
- Ausência de desejo de continuar a viver, sentimento de abandono
- Perda/questionamento da fé, ressentimento, hostilidade religiosa
- Mudança de valores

(4) Manifestações comportamentais
- Conduta alterada (risco), visitas, rituais, acumulação de objetos, adições
- Hiperatividade. Manter-se ocupado, cuidar dos outros desproporcionadamente
- Inquietação com desejo intenso de retorno do falecido ou de cumprir os seus desejos, fidelização
- Procura, necessidade constante de falar
- Lentificação (diminuição dos movimentos), paralisia, rotura de atividade, quebra de rendimento
- Negligência de autocuidado, dificuldade de realização de tarefas
- Isolamento, dificuldade de contacto social

(5) Manifestações somáticas
- Cefaleias, dores musculares, articulares, mandibulares e outras
- Tremores, agitação interna
- Maior ou menor apetite e peso, náuseas, vómitos
- Sensação de sufoco, dificuldade em respirar, dispneia (falta de ar), suspiros
- Aperto/opressão no peito, palpitações, maior ou menor tensão arterial
- Visão desfocada, tonturas, desmaios
- Formigueiro, sensação de anestesia
- Nó na garganta, boca seca
- Fadiga, cansaço, falta de energia
- Queda, enfraquecimento do cabelo
- Problemas de sono, sono pouco reparador
- Doenças infecciosas.

Victor Sebastião

 

Referências

Barbosa, A. (2016).  Fazer o luto. Lisboa: Centro de Bioética da Faculdade de Medicina de Lisboa

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