Reflexões sobre o luto

O que é que eu faço com esta dor?

“Sei que no desempenho das minhas funções, tenho de dar prioridade às solicitações dos meus clientes. Tenho, neste momento, algumas clientes que me procuram apenas para desabafar, para falar do seu luto e dos seus problemas pessoais e familiares.
Às vezes, não sei como consigo ir para casa e ‘pôr de parte’ todas as emoções que sinto. O que é que eu faço com isto (com as emoções)?
Tenho uma cliente que me é particularmente difícil, pois trata-se de uma mãe que perdeu a filha (...) Eu também sou mãe e não consigo imaginar ficar sem a minha filha. Mas no momento em que estou com essa cliente, sei que sou importante para ela e para o que ela precisa: ter alguém que a compreenda, que a ouça, que a proteja.”
(Profissional do setor funerário, sobre a relação de apoio a pessoas em luto)

No desempenho das suas funções dentro do setor funerário, salienta-se a relação com as pessoas em luto. Dentro desta relação que os profissionais mantêm com as pessoas em luto, está a necessidade de ouvir a(s) sua(s) história(s) de vida, os seus dilemas e as suas conquistas. Isto pode evidenciar um esforço hercúleo por parte dos profissionais, que podem sentir-se vulneráveis perante a dor alheia. Sobretudo, questionam-se se ouvir será suficiente e o que devem fazer com aquilo que ouvem, do ponto de vista pessoal. Elas não matam, mas moem.
É comum ouvirmos alguns profissionais dizerem: “Com o passar do tempo, fiquei mais frio”. Isto evidencia a necessidade dos profissionais que trabalham sobre a relação de apoio ao luto de encontrarem estratégias de adaptação e proteção das suas próprias emoções. Racionalizar e inteletualizar são dois dos mecanismos de proteção mais comuns. Mas, por vezes, são mecanismos que não ajudam ao contacto e expressão das suas próprias emoções, o que se pode consubstanciar num desgaste físico e, evidentemente, emocional.

O profissional que lida com pessoas em luto tem, também, necessidades que precisam de ser respondidas, a fim de garantir a sua saúde mental e o equilíbrio necessário, para não projetar nos clientes a sensação de que não estão conetados com a sua história ou que não conseguem criar empatia suficiente para manter uma relação de confiança relativamente segura e humana.
Nas ações de formação que costumo ministrar, há sempre espaço para ouvir as inquietudes destes profissionais e, sobretudo, para evidenciar e validar as estratégias pelas quais estes colocam as suas necessidades relacionais. Entre elas, evidencio as seguintes:

  • Apoio entre pares – o profissional aprende a adotar estratégias na relação com outros profissionais, a partilhar os seus medos, o que contribui para o sucesso da equipa em que se insere;
  • Coping familiar – o profissional sente que tem o seu porto seguro quando chega a casa e encontra a família que lhe promove a sensação de pertença e integridade necessárias ao reinvestimento na vida;
  • Formação profissional – o profissional encontra na formação profissional uma maneira de incrementar as suas competências e de adquirir ferramentas e estratégias, assim como de encontrar um espaço para validar o que tem de melhor em si próprio;
  • Serviços de psicologia clínica/psicoterapia – o profissional precisa de tomar contacto consigo de uma forma integrada, e a psicologia clínica/psicoterapia oferecem um meio para a prevenção e promoção da saúde mental.

 

A profissional do testemunho que inseri no início desta reflexão apresentou-nos a sua estratégia pessoal:

“É na minha filha que encontro grande parte do apoio de que necessito, sobretudo nos dias em que lido com a dor alheia. Chegar a casa e ela perceber se estou bem ou se preciso de um miminho. Como sabe bem não precisar de dizer nada e de ter esta reciprocidade. Afinal, uma mãe também pode ser cuidada pela filha!”

 

Victor Sebastião

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