“Como falar de luto em contexto escolar?”
As aulas regressam. As rotinas e manhãs aceleradas regressam com elas. As leis educativas, as avaliações, os exames, os testes, as notas, as matérias, os materiais escolares… a burocracia! Os trabalhos de casa, as conquistas dos amigos, namoros, conflitos e tantos desafios sociais, emocionais e cognitivos!
Tudo isso num corpo que sente e pensa toda a sua história.
Com isto tudo… ainda vêm falar de luto na escola?
Sim. Porque na escola há muita vida a acontecer todos os dias! Todo o ano, com tantas e tantas fases diferentes da vida. Com tantos observadores e participantes. Na escola “moram” muitas crianças, adultos e muitas famílias. E as suas histórias. E, por isso, a escola é o contexto chave para continuar a educação, incluindo a educação para a morte.
E para quê?
Para trabalhar a regulação emocional, a capacidade de sentir e viver a alegria e a tristeza. Para não criar adultos que fogem, que escondem disfarçam e cuja bolha rebenta mais cedo ou mais tarde com forte impacto na sua saúde.
Para desmistificar ideias sobre a morte e o luto e com isso promover mais informação, sintonia emocional e consciência para as estratégias que cada um vai definindo e os custos das mesmas.
Importa ensinar os adultos a gerirem as suas emoções e a serem agentes activos na sua história de vida, para que a história não os engula e não acabem desfeitos pelo esforço, stress e dores “mal amanhadas”. Importa abrir pontes de comunicação, mais rica e emotiva, entre pequenos e graúdos. Importa ensinar que sentimos tudo, e isso é tão humano quanto transformador, apenas não podemos fazer tudo o que queremos (se estamos profundamente tristes quando perdemos alguém? Pois estamos. Se podermos faltar às aulas ou tratar mal os colegas? Não podemos).
Já conseguimos falar de educação sexual, educação financeira, educação ambiental… então… então mantenhamos a coragem. Falemos da morte e do luto também.
E porquê?
Stevenson (2009) defende que as escolas não podem negligenciar a temática do luto até porque, possivelmente encontram-se muitos adultos a tentarem gerir os seus lutos entre recreios e salas de aulas, todos os dias. O autor (tal com Kóvacs, Worden, Holland, entre outros) defende perentoriamente a importância de uma educação para a morte, promovida no seio familiar, mas também nas escolas. A pertinência de uma educação para a morte em contexto educativo decorre do fato de o luto ter efeitos inegáveis no processo de ensino e de aprendizagem, afetando o aluno em vários níveis. Por exemplo, o impacto do luto e experiências traumáticas não integradas pode manifestar-se na regulação da atenção, na memória, na capacidade de integrar informações. Além disso, pode trazer sintomas depressivos e ansiosos, ou mesmo comportamentos de risco cuja intervenção não pode ignorar a valorização da perda.
E como?
- Ter sempre em mente que não somos iguais, por isso não temos de pensar/sentir/viver/demonstrar a experiência da perda da mesma forma. E isso não deve ser julgado, nem avaliado, apenas valorizado como a sua forma de viver esse momento.
- Podem mesmo aproveitar as partilhas do aluno/adulto em luto para, no contexto educativo, fomentar valores como a compreensão, a paciência, a solidariedade e a compaixão (vs crítica).
- Professores, Diretores de Turma e colegas, e a própria Direção da Escola, devem desenvolver competências que lhes permitam apoiar efetiva e afetivamente um aluno em luto. Seria, para isso, essencial criar mais momentos formativos (com técnicos especializados na área) para estes adultos.
- Quando um aluno está em luto é importante saber como é que a família está a comunicar e a organizar-se, que mudanças enfrentou e como é para ele regressar à escola.
Para validar e respeitar essa vivência tente entrar em sintonia com o aluno/colega:
Está a ser muito doloroso para ti, eu consigo ver, o melhor que posso dizer-te é que não estás sozinho… posso ouvir-te agora ou quando quiseres
É natural teres vontade de chorar, também sinto isso às vezes… tens sentido isso todos os dias? O que te passa pela cabeça quando tens vontade de chorar?
As pessoas vão fazendo coisas diferentes: as vezes têm vontade de brincar, outras vezes só querem ficar sozinhas ou no colo de alguém… é como as ondas do mar “vão e vêm” – até nos sentimos bem, depois ficamos tristes…
- Poderá ser criada/adaptada uma sala/espaço calmo, seguro, com privacidade e conforto onde se possam dirigir com o aluno (ou o adulto) quando a necessidade de apoiar, conversar, acolher se mostra mais evidente e não deve ser ignorada.
- Comunicar abertamente: lançar perguntas e reflexões (as vezes através de filmes, musicas, histórias conhecidas, frases do Facebook!) e, muito importante, responder com honestidade a todas as suas dúvidas.
- No espaço escolar pode ser criada o mapa cultural contra o tabu: por exemplo, terem a “semana da sexualidade”, “semana do luto”. Criar, assim, oportunidades mais lúdicas e interactivas para divulgar informação correcta, desmistificar, abrir pontes de comunicação para todos (escola e família).
- Aproveitar todos os conteúdos, incluindo os programáticos, para explorar a reflexão sobre o tema. O estudo do meio, a língua portuguesa, a história, a filosofia, a biologia podem ajudar a explorar a relação entre o nosso corpo – pensamento-emoção e comportamento bem como ligar à narrativa da nossa vida/história.
Com os mais velhos podemos colocar questões, não só sobre a sua experiencia interna e relacional, como existenciais: qual o sentido da nossa vida; os valores que nos movem; como projectamos o nosso futuro; quem são as pessoas que desejamos ter connosco; como seria vermo-nos sem essas pessoas; quais são as nossas estratégias quando nos sentimos tristes, revoltados, com saudades…; o que precisaríamos que fizessem por nós quando estivéssemos em luto. Com as crianças mais pequenas importa ir ajudando a perceber a vida de todos os seres vivos, porque é que morrem; o que significa morrer; o que pode acontecer aos outros animais/pessoas que ficam sem alguém importante; que rituais de despedida existem pelo mundo; o que podemos sentir/pensar quando alguém fica longe, quando vai para um lar, quando morre; o que temos mais medo que nos aconteça…
À semelhança dos profissionais de saúde, que têm a morte no seu quotidiano, o mesmo pode ocorrer com educadores. A diferença é que, no caso dos primeiros, isso é sabido e confirmado como parte de seu trabalho (ainda que também muito evitado). Por sua vez, no contexto escolar é mais difícil assumir que – lidar com o luto e cuidar de alunos/colegas enlutados – é também parte das suas tarefas.
Vamos todos aprender a cuidar melhor, cuidando de todos os lados da vida e de cada pessoa.
Bibiliografia
Rosenthal, N. R. (1986). Death education. Developing a course of study for adolescents. Em. C. A. Corr & J. N. Mc Neil (Eds.), Adolescent and death. New.York: Springer.
Rowling, L. (1995). The disenfranchised grief of teachers. Omega, Journal of Death and Dying, 31(4), 317-329.
Kovács, M. J. (2010). A morte no contexto escolar: desafio na formação de educadores. Em M. H. P. Franco (Org.), Formação e rompimento de vínculos: O dilema das perdas na atualidade (pp. 145-168). São Paulo, Summus.
Kóvacs, J. (2012). Educadores e Morte. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. 16 (1), 71-81.
Como lidar com um desastre natural – Documento da Ordem Portuguesa dos Psicólogos
www.ordemdospsicologos.pt www. / www.dgs.pt
Autora:
Ana R. Santos
Psicóloga Clínica
Formadora
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