“É como um cubo de rubik; não sabia o que fazer ou por onde começar”
São várias as experiências que podem constituir uma perda significativa para um homem. Podemos falar de perdas de pessoas importantes (esposa, pai, mãe, amigos, colegas, etc.), divórcios, distanciamento dos filhos, desemprego ou perda da atividade laboral, entre outras.
O que o senso comum nos diz sobre a forma “correta” de fazer o luto é chorar, expressar, deixar sair. Mas a verdade é que para muitos homens esta não é a sua forma natural de lidar com emoções e, como tal, com o luto.
Todos fazemos o nosso luto com os recursos de temos dentro e fora de nós. Com as nossas ferramentas não só de expressar e regular as nossas emoções mas também com as que nos permitem continuar a enfrentar os desafios do dia-a-dia. Para a generalidade dos homens este foco em funcionar prevalece. Há o emprego para manter, há a família para cuidar. Acreditam que não podem parar para sentir.
Para além disso, permitirem-se a sentir pode ser muito avassalador. A tristeza pode ser vista como perigosa, inútil e como sinal de fraqueza. As lágrimas tendem a ser apenas derramadas em solidão, no conforto da sua privacidade ou na companhia das raras pessoas que acreditam que os conseguem segurar. Falar sobre sentimentos é a conta-gotas, como narradores, sem aprofundar. Tendem a revoltarem-se mais e a procurarem repor a justiça. Mas, muitas vezes por debaixo da zanga temos uma tristeza profunda que ainda não conheceu outra forma de ser expressa. Um homem muito zangado pode ser um homem profundamente triste.
A vulnerabilidade não é bem-vinda não apenas porque pode ser insuportável para o próprio mas também porque antecipam que não seja bem recebida pelos que os rodeiam. Afinal, como tantos foram ouvindo ao longo da sua vida “Homem que é homem, não chora, é forte”; “Homem que é homem resolve sozinho; não pede ajuda”. Por outro lado, o seu silêncio pode ser mal- e injustamente interpretado como distanciamento ou falta de afeto pela pessoa perdida.
O luto dito mais “masculino”, ainda que mais silencioso e invisível, tem o direito a ser reconhecido como uma forma legítima de expressar o impacto de uma perda significativa. Há que validar a função dos muros que se erguem como formas de proteção. Se enquanto sociedade continuarmos a julgar o foco em funcionar (ao invés de sentir), como inadequado e forçarmos a quebra destes muros, eles vão se tornar cada vez mais resistentes e o luto continuará a ser vivido com intensa confusão e solidão. Contudo, é igualmente importante pensarmos sobre os custos do suprimir a expressão emocional, seja o isolamento, os conflitos com o que lhes são mais chegados, queixas físicas, assim como formas nocivas de separar a dor, como o álcool ou drogas.
Se for um homem em luto, retenha estas ideias:
• Desde que não cause dano a si ou a outros, tem o direito a expressar o seu luto à sua maneira. Pode não ser o que lhe dizem que é o correto ou o que seria expectável. Mas dê-se tempo e envolva-se em encontrar a forma que para si seja mais equilibrada de sentir e funcionar.
• É de facto muito difícil quando nos confrontamos com o que de aleatório e imprevisível pode acontecer no mundo. Com o quão pouco controlamos. Mais do que questionar-se sobre o “porquê” da sua perda ou de se deixar inundar pelos “se’s” (“se eu tivesse saído mais cedo de casa”, “se ela não tivesse ido por aquela rua”, etc.), permita-se a notar em si o impacto da sua perda: o que significou, o que sente, o que faz surgir dentro de si.
• Veja que mensagens surgem dentro de si quando a tristeza invade. “Pára com isso. Não ajuda nada”. Na verdade, se a convidar não só a entrar como a deixar-se ficar, ajuda a processar o impacto da perda, assim como o contacto com todas as outras emoções. As emoções são parte de nós. Fugir delas só vai fazer com que se aprisione mais no seu luto.
• Sofrer em silêncio e sozinho não é a solução. Mesmo que as pessoas não tenham passado exatamente pela sua experiência ou mesmo que não lhes reconheça a capacidade de o suportar, experimente dar-lhes uma oportunidade. Experimente também guiar as pessoas que lhe são mais chegadas sobre o que podem fazer (ou não fazer) para melhor o apoiarem.
• Se se aperceber que se tem afastado dos que lhe são mais chegados ou têm havido mais conflitos, questione-se de onde vem essa zanga e se haverá outras formas de expressar a revolta a que tem direito sem alienar as pessoas à sua volta.
• Tente não se isolar. Não deixe de fazer as atividades que lhe davam vitalidade, energia e que o ajudam a funcionar.
• Caso dê por si por exemplo a beber mais álcool ou consumir drogas ou ter vontade de desaparecer, sobretudo quando as memórias e a dor invadem, é particularmente importante procurar ajuda de forma a encontrar formas de se proteger que sejam menos nocivas para si.
“Forçar-se a não sentir nada, até que deixe de sentir o que quer que seja… que desperdício!”
Citação do filme “Chama-me pelo teu nome” de Luca Guadagnino
Autora Sara Albuquerque
Psicóloga e Formadora
Referências bibliográficas:
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