Reflexões sobre o luto

Novembro!

Novembro!

Era cedo, muito cedo e a cidade tinha acordado há pouco tempo. A maioria estava nas ruas, afinal era dia de relembrar os que tinham partido. Era dia de os homenagear, entre flores e orações, fé e velas. 

Ninguém esperava, ninguém sabia; numa época em que não haviam avisos nem memórias de tais acontecimentos. Mas a verdade é que a terra tremeu, as águas subiram e o fogo alastrou tudo. E com tudo, levou as flores, as orações e a fé.

Num dia em que recordavam os seus mortos, morreram eles também e morreu uma cidade que não voltou a ser a mesma. 

Ironia ou não, o terramoto de 1755 aconteceu num dia de grande significado, em que todos recordamos aqueles que perdemos. Mas talvez exista até um simbolismo rico nesta data que tanto nos veio ensinar. 

Aqueles de quem gostamos e que acabam por partir levam consigo, irredutivelmente, partes nossas, ficando-nos a faltar um bocado. 

É aí que começa o vazio.

A morte do outro, a falta que nos faz é talvez das maiores dores que podemos sentir. Embora toda a Humanidade se debata quase desde sempre com esta questão, a verdade é que a morte continua a doer e a corroer-nos por dentro.

Depois do seu desaparecimento o que nos resta? Fazer o luto e seguir em frente? Mas afinal o que é fazer o luto? E o que é seguir em frente sem ti?

Faz falta saber parar, relembrar, trazer ao de cima tudo o que o outro nos deu de bom e de mau. Há que chorar, há que rir e há que integrar esta perda em nós.

Aceitar a perda do outro não significa que o esqueçamos, nem tão pouco que finjamos que não existiu na nossa vida. Fazer o luto significa reconhecer que há uma parte de nós que ficou a coxear depois da partida do outro. Mas que já não fere. Apenas existe e conseguimos viver com isso.

Talvez o outro nunca deixe de fazer falta, talvez a ausência do outro nunca deixe de nos deixar tristes. Mas é possível olhar para a sua falta e ausência com serenidade e alegria porque um dia existiu.

Falar de luto é isto, é falar de vida, nem que seja daquela que já foi e já não é. Aqueles de quem gostamos e que acabam por partir levam consigo, irredutivelmente, partes nossas, mas também deixam em nós partes suas. 

Depois do sismo, Lisboa renasceu. Reconstruiu-se e refez-se, olhou o futuro com novas esperanças e, pegando naquilo que tinha aprendido com o seu passado, reergueu-se mais forte. 

É aí que começa o recomeço.

 

Bibliografia:

Barbosa, A. (2016). Fazer o Luto. Lisboa: Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Freud, S. (1915). Luto e Melancolia. In Obras Completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago

Neimeyer, R. A. (2000). Searching for the meaning of meaning: Grief therapy and the

process of reconstruction. Death studies, 24(6), 541-558.

 

Payás, A. (2010). Las tareas del duelo. Psicoterapia de duelo desde un modelo ntegrativo-relational. Paydós, Barcelona.

 

Siegel, D. (1999). The developing mind. New York: The Guilford Press. Stroebe, M., &

Schut, H. (1999). The dual process model of coping with bereavement: rationale and description. Death studies. 

 

Worden, W. (1991). Grief counseling and grief therapy: A handbook for the mental

health practitioner. Springer Publishing Company.

 

Catarina Bragança Nobre

Psicóloga Clínica e Psicoteraepeuta