Reflexões sobre o luto

Trauma e corpo: um não vive sem o outro

"Há mais sabedoria no teu corpo do que a mais profunda filosofia” - Nietzche

 

Há algo do qual podemos ter a certeza: nenhum de nós está imune a experienciar um acontecimento traumático ao longo da nossa vida. Tal não será de estranhar se pensarmos em tudo o que pode envolver trauma: violência física ou psicológica, acidentes ou desastres naturais, uma emergência médica, um incêndio, assalto, abuso, agressão, entre outros. Em linhas gerais, trauma pode fazer-nos pensar em eventos que envolvem algum tipo de risco, real ou imaginário, à vida ou à integridade física de nós próprios ou de outra pessoa.

Mas o que sabemos afinal sobre o impacto do trauma? Sabemos que podem haver diversos sintomas como pesadelos, sensação de sobressalto constante, sensações de re-experienciamento, flashbacks, isolamento, evitamento de gatilhos que façam lembrar o acontecimento, etc.

Na base há essencialmente algo que se altera a nível cerebral. Ora vejamos. Numa situação de perigo as nossas respostas de luta ou fuga são ativadas. Todo o nosso corpo prepara-se para reagir e a principal mensagem é “SOBREVIVE! FICA EM SEGURANÇA!”. Os sintomas fisiológicos de trauma são na verdade os mesmos que experienciamos numa qualquer situação de perigo ou ameaça: o coração bate mais rápido, a respiração acelera para oxigenar os músculos para corrermos, transpiramos, etc. O nosso corpo dá-nos (quase) “superpoderes” para que consigamos sobreviver, para que consigamos agir. Contudo, em muitos acontecimentos traumáticos as pessoas sentem-se completamente encurraladas e impotentes. É como se ficassem presas naquele momento avassalador, que extravasou todos os seus recursos e capacidade de processamento da experiência. A amígdala (zona do cérebro responsável pelas respostas de medo) fica hipersensível e o cérebro deixa de conseguir processar e foca toda a sua energia na sobrevivência. A memória fica fragmentada (como se fosse um puzzle onde as peças estão soltas e desorganizadas) e é por isto que um simples cheiro ou som pode ser um gatilho de uma avalanche de sentimentos, sensações, imagens, emoções – como se o acontecimento traumático estive a acontecer de novo.

E é aqui que reside a complexidade e intensidade do trauma. O acontecimento não fica no passado; é carregado para o presente e para o futuro. Mas não nos esqueçamos: mesmo que seja avassalador, o nosso corpo está a fazer exatamente o que é suposto fazer – a proteger-nos porque a memória diz-lhe que “isto está a acontecer aqui e agora”. Podemos é precisar de ajustar o nosso alarme de perigo, para que, mais do que sobreviver, possamos VIVER.

Sara Albuquerque

Psicóloga

Formadora