Muito se tem falado sobre a tragédia que assolou o centro do país, que destruiu hectares de património florestal, assim como de vidas humanas e de animais. Os meios de comunicação social, invariavelmente, colocaram-nos no epicentro dessa calamidade e acabámos por vivenciar, de uma forma partilhada e até solidária, toda essa dura realidade.
As evidências televisivas levaram, igualmente, à liberdade na formação de impressões que fomos tecendo sobre os comportamentos e emoções exibidos por algumas pessoas que tanto perderam: a casa, os bens pessoais, alguns familiares ou amigos/conhecidos, as recordações, as referências... Todas estas perdas acarretam lutos de uma exigência extrema, quer do ponto de vista pessoal quer interpessoal. O conjunto de decisões que se têm de tomar sobre a vida, sobre a sobrevivência pessoal, sobre os funerais, entre outras, pode acarretar custos para a pessoa em luto quando exposta a situações de elevado distress e trauma.
Vimos e sentimos os momentos de desespero e frustração das pessoas que lutavam pela vida e pela preservação dos seus bens materiais. Percebemos, apesar de ser de uma forma enviesada (porque só sente verdadeiramente quem está a viver a situação), como foi necessário tomar decisões pessoais, sendo que algumas delas, lamentavelmente, podem ter contribuído para a morte.
O apoio solidário e voluntário a que se assistiu, durante a depois desta tragédia, foi absolutamente digno, apesar de ser na pior das circunstâncias. Conseguimos perceber como as pessoas se unem nos momentos de tensão e que essa união pode contribuir para o partilhar dos esforços necessários à sobrevivência, quer física quer psicológica. Demonstra: que não estamos sozinhos e que se torna necessário a presença ativa de outrem para a integração das perdas e a partilha da dor; que não estamos sozinhos na nossa dor, apesar de a sentirmos de uma forma pessoal e subjetiva, apesar de irrecuperável; que pode haver esperança no meio do caos e das emoções mais destrutivas que se podem sentir; que o contacto permanente com a realidade da perda (estar/viver no sítio onde decorreu a tragédia) pode evocar trauma, tornando-se necessário um apoio especializado que não incida apenas no momento da crise.
Assistimos, por fim, à forma como as equipas de profissionais deram as devidas respostas às necessidades das pessoas, apesar de algumas pessoas sentirem que essas necessidades não foram devidamente respondidas, sendo que daí possa surgir a revolta e a sensação de injustiça. Contudo, as equipas trabalharam todas segundo uma única visão: salvar e salvaguardar. Desde as equipas de primeira intervenção, passando pelas equipas do Instituto Nacional de Medicina Legal que restituíram os corpos às famílias, até aos profissionais do setor funerário que permitiram às famílias a devida homenagem aos seus entes queridos, todas elas contribuíram para este longo caminho de perda(s) e luto(s) destas pessoas.
Mas o caminho faz-se caminhando e, acima de tudo, avizinha-se um caminho longo, cheio de sinuosidades para estas famílias que não irão esquecer estes momentos traumáticos e que necessitarão de ir reconstruindo um novo significado para sua vida (que parece agora incompleta), perspetivando o futuro não vivido que trará emoções difíceis de apaziguar e dor.
Victor Sebastião
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