(texto de Victor Sebastião, adaptado de “Aprender, Envelhecer... SER”, de Sandra Paula Barradas e Albertina Lima Oliveira (2016))
Atualmente, assiste-se ao morrer fora de casa, em instituições de cariz variado. Tal contexto obriga os profissionais dessas instituições a lidar com situações complicadas. Estas situações envolvem lidar com os processos de morte e morrer, comunicação da notícia da morte aos familiares e utentes das instituições (nomeadamente, geriátricas) e oferecer apoio relacional à pessoa em luto. As instituições ao serviço das pessoas são estruturas com a missão de cuidar e isso implica, igualmente, acompanhar nos processos de luto.
Os profissionais vão criando, ao longo do tempo, relações com significado vinculativo às pessoas a quem prestam os cuidados, e estas relações incluem estabelecer laços de identidade e proximidade. Contudo, perante a perda de um utente, podem ficar vulneráveis a processos de luto, que muitas das vezes são lutos desautorizados pela relação profissional que deverá prevalecer sobre a pessoal. É sabido que a não permissão da expressão de pesar pode conduzir a maior sofrimento e, inevitavelmente, a lutos complicados por parte dos profissionais. Torna-se, então, importante que os profissionais encontrem estratégias para lidar com estas perda, seja através da partilha das suas vivências internas com colegas, ritualizar a despedida do utente falecido (poder ir ao funeral) ou procurar ajuda especializada, por forma à plena integração do seu luto. O profissional é, acima de tudo, uma pessoa e, ao lidar com a morte de um utente, pode ativar experiências pessoais de outros lutos, que irão exigir um enorme esforço em termos da sua resiliência e adaptação a estas perdas. São estes profissionais que, geralmente, prestam a primeira relação de ajuda ou apoio à pessoa enlutada.
O luto enquanto processo
Perante a perda de algo que é significativo do ponto de vista afetivo, o ser humano elabora um luto. O luto é o processo de resposta à perda. Esta perda poderá ser real (pessoa, animal ou objeto querido) ou simbólica (perda de um ideal, de uma expetativa) (Barbosa, 2010).
Apesar de o luto ser um processo universal, é, acima de tudo, um processo individual e subjetivo. Perante a perda, cada pessoa reagirá de forma diferente. As principais manifestações que se observam na pessoa enlutada são as seguintes:
a) Manifestações ao nível dos sentimentos e emoções (tristeza, angústia, sensação de apatia, culpa, abatimento, sensação de injustiça, saudade);
b) Manifestações ao nível somático (alterações do sono, do apetite e da libido, palpitações, suor e cefaleias);
c) Manifestações cognitivas (pensamentos sobre a pessoa falecida, sensação de presença da pessoa falecida, sonhar com a pessoa falecida, dificuldade de concentração);
d) Manifestações ao nível espiritual e transcendente (reformulação ou validação de crenças e guiões de vida, normas e atitudes pessoais ou valores).
Tratam-se, pois, de manifestações que envolvem as dimensões da dor e do sofrimento humano. Estas manifestações poderão ser influenciadas por mediadores relacionados, como por exemplo: o papel que o falecido tinha para a pessoa enlutada, o grau de parentesco, as circunstâncias e causas de morte, a forma como foi comunicada a notícia da morte, entre outros de igual importância. É a intensidade e durabilidade destas manifestações que pode levar à trajetória de um luto complicado, sendo necessária a intervenção de um especialista na área da terapia do luto. No luto, pode existir uma desconexão com o mundo externo, e, ao mesmo tempo, uma desfragmentação interna do mundo (Payás, 2011).
A integração de um processo de luto envolve algumas tarefas (Worden, 1991), nomeadamente: (a) aceitar a dor da perda; (b) elaborar da dor da perda; (c) adaptar-se a uma nova realidade, na qual o falecido é sentido e percecionado como ausente; e (d) reorganização do vínculo emocional com o falecido e prosseguir com a vida. Estas tarefas envolvem uma adaptação a: (1) nível interno (necessidade de encontrar um sentido após a perda, nomeadamente, adaptar-se a novos papéis); (2) a nível externo (necessidade de definição do self – “Quem sou eu?” –, da autoestima – “Como me vejo e como sinto que os outros me vêem?” –; e (3) da autoeficácia – “Do que sou capaz?” (Sebastião, 2015).
Não existe um tempo certo para afirmar quando termina o luto. A saudade é uma emoção que, provavelmente, será sentida até ao final de vida da pessoa enlutada e que resulta das reminiscências havidas com o falecido e a projeção do futuro não vivido. Poderá haver alturas em que a dor da perda esteja relativamente pacificada e outras em que emerge a dor da perda e a necessidade de a sentir ou expressar.
Victor Sebastião
Referências
Barbosa, A. & Neto, I. G. (2010). Manual de cuidados paliativos (2.ª Ed.). Lisboa: Centro de Bioética da Faculdade de Medicina de Lisboa
Worden, J. W. (2013). Aconselhamento do luto e terapia do luto (4.ª Ed.). São Paulo: Roca
Sebastião, V. (2015). Guia prático de apoio ao luto. Ajudar a enfrentar a morte de um ente querido. Servilusa
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