“A dor é proporcional ao amor” (Padre Carlos Azevedo, durante a homília na celebração eucarística da Servilusa, na Igreja dos Jerónimos, em Dezembro de 2015).
A principal questão que se coloca quando falamos de luto, é se o luto é um processo normal.
Partindo do princípio que o ser humano cria ligações (afetivas) com significado profundo com outros (pessoas, animais, objetos, lugares) para a sua existência emocional e bem-estar, a perda desses outros significativos provoca inevitavelmente uma ruptura desse bem-estar e evoca vulnerabilidade e fragilidade emocionais. Perder alguém é como perder uma parte de nós próprios. Assim, qualquer perda que coloque em causa a rotina e a segurança, bem como outros fatores, cria um processo de luto que é, acima de tudo, necessário e normal.
Podemos definir o luto como um processo (normal) que é elaborado pelo ser humano (e algumas espécies animais) aquando de uma perda significativa.
Viver plenamente a vida, implica lidar com a sua antítese, a morte e invariavelmente com as perdas decorrentes dessa mesma morte. Segundo Barbosa (2010), a perda poderá ser real ou simbólica. A perda real envolve a morte de uma pessoa, de um animal ou a perda de um objeto querido. A perda simbólica envolve a perda de um ideal (por exemplo, a liberdade) ou a perda de uma expectativa (por exemplo, não ser correspondido por alguém por quem se nutre carinho e amor).
O luto ocorre em qualquer etapa do desenvolvimento humano, apresentando, claro está, nuances em termos da sua interpretação, integração e adaptação. Contudo, o luto é um processo universal (acontece às pessoas em qualquer parte do mundo), inevitável (perante a perda o ser humano irá fazer um processo de luto) e individual (cada pessoa faz o luto à sua maneira). É esta subjetividade implícita ao processo de luto que o torna exclusivo, do ponto de vista do acompanhamento que se deve oferecer.
O luto é uma experiência, quase sempre, dolorosa e talvez a mais difícil que o ser humano experimenta na sua existência. Aquando da perda, cada pessoa procura uma resposta para o seu sofrimento, no sentido de conseguir reajustar-se a uma nova realidade, sem a pessoa (ou animal, objeto, ideal, ou expectativa) que tanto amava. O sofrimento manifesta-se em variadas dimensões (em texto a aprofundar posteriormente: As manifestações do luto) e a intensidade e duração das mesmas depende de variados fatores (em texto a aprofundar posteriormente: Os mediadores do luto).
Assim, importa resumir os seguintes pontos sobre a perda e o luto:
- Uma experiência individual e única. O sofrimento é variável de pessoa para pessoa: cada pessoa sofre à sua maneira.
- Um processo universal que pode ocorrer em qualquer etapa da nossa vida.
- Aprender a viver, mas nunca a esquecer. A dor da perda poderá ser equivalente ao amor que sentíamos pela pessoa que morreu.
- Sofrer e aceitar as diversas manifestações como parte integrante da perda.
Aquando da perda ocorrem, assim, manifestações que são, acima de tudo, mecanismos de adaptação à perda (por exemplo: tristeza, ou idas frequentes ao cemitério, ou reformulação ou validação de crenças, normas e atitudes pessoais).
Quando estes mecanismos se tornam demasiado intensos ou até prolongados, por muito tempo, podemos encontrar dificuldades na elaboração do luto. Nestas circunstâncias considera-se o luto como complicado, sendo, muitas das vezes, necessária a ajuda de um profissional qualificado na área da terapia do luto.
Não existe, contudo, um tempo certo para a elaboração de um luto. Apesar de os primeiros meses serem aqueles em que o sofrimento poderá ser mais evidente e difícil de gerir. Até ao final da vida, a pessoa enlutada poderá experimentar fases de alívio contrastadas por fases de enorme angústia. A saudade será sempre um fator que permite à pessoa em luto entrar em contato com a perda e estará, provavelmente, presente para resto da vida.
Victor Sebastião
Referências
Barbosa, A. & Neto, I. G. (2010). Manual de Cuidados Paliativos (2.ª Ed). Lisboa: Centro de Bioética da Faculdade de Medicina de Lisboa
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